Os agricultores de Pentecoste fizeram curso para exercer uma apicultura de alta qualidade
A estação das chuvas foi generosa no Sertão do Ceará, fazendo com que ele permanecesse verde até o meio do ano,coalhado de jitiranas, flor de cor arroxeada preferida pelas abelhas e que resulta em mel muito saboroso, e açudes cheios. O economista Wagner Gomes está muito feliz, porque sabe que os animais terão alimento garantido para a época da seca que se aproxima, os produtores colheram boas safras de milho e feijão e a florada não faltou para aapicultura. Renda certa e agricultor animado são garantias de planos para melhorar a propriedade e reverter o histórico de miséria que marca o Semiárido brasileiro. Há quatro anos, Wagner, de 29, lidera um grupo de 15 jovens feito ele na Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), que ajudou a fundar e cuja missão não é pouca. “Transformar a lógica do êxodo rural oferecendo desenvolvimento econômico e social nas comunidades”, diz. Wagner conta com o zootecnista Adriano Souza, amigo e parceiro de trabalho, para coordenar a equipe e sacolejar pelas estradas da região. Ambos poderiam ter arrumado emprego em lugares confortáveis, mas preferiram voltar para aregião de Pentecoste, a 90 quilômetros de Fortaleza, e implantar um programa que tem como lema dar nova vida ao Sertão. Em tão pouco tempo, a agência conseguiu dar assistência a 450 produtores, situados em 72 comunidades, divididas entre oito municípios. “Toda informação é preciosa quando ela é escassa”, analisa Wagner. Por essa razão, talvez os produtores da comunidade Malaquias, em Tejuçuoca, nunca tivessem ouvido falar em silagem de milho e sorgo para garantir alimento para cabras e bois em tempos de seca. “No primeiro semestre, o animal ficava gordinho. No segundo, era puro osso”, relembra João Barbosa Marques. Uma simples ensiladeira e uma enfardadeira foram suficientes para beneficiar o plantio de grãos em oito hectares compartilhados por três produtores. “Rompemos com a ignorância”, comenta Milton Teixeira, que também aprendeu que os rufiões precisam ser trocados com o tempo para manter a boa reprodução dos caprinos.
O mel em sachês é fornecido para a merenda escolar de Pentecostes
Os animais, agora mais parrudos, deixaram de ser vendidos apenas por unidade. A comunidade ganhou umaagroindústria, inaugurada há dois anos pela Adel, com capacidade para processar 400 quilos de carne por dia na forma de embutidos, hambúrgueres e cortes tradicionais – direcionados na maior parte para a merenda escolar do município. Desde 2009, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) estabelece que 30% do valor gasto com refeições para as escolas públicas deve ser proveniente de gêneros alimentícios produzidos pela agricultura familiar. Wagner Gomes faz as contas rapidamente. A medida se reverte em uma renda de cerca de R$ 560 por mês para cada produtor. Antes, ela não passava de R$ 80 mensais. Ele reconhece que a mudança de realidade contou com a imprescindível ajuda de Francisca Jeania Rogério, agente de desenvolvimento do Banco do Nordeste, a quem Wagner e o amigo Adriano não poupam agradecimentos. O banco é responsável por cerca de 80% do orçamento da Adel, que nos períodos de 2009 e 2010 foi de R$ 200 mil. Logo no início da atuação da agência, os rapazes chegaram até ela para mostrar seus planos. “Estavam nervosos, mas tinham plena convicção do que propunham”, relembra Francisca. Na época, ela só atendia a programas de extensão rural de grande alcance. Mas ela não se esqueceria deles quando surgiu a oportunidade de trabalhar com projetos voltados para pequenos produtores do Semiárido. “Conheço de perto as dificuldades. Nasci no meio rural”, conta.
Wagner Gomes (centroe) é a inspiração para os alunos do cursinho pré-vestibular em pleno Sertão
Graças a esse investimento, foi possível construir também a casa de mel da associação de apicultores, que reúne 32 produtores de Três Lagoas, na zona rural de Pentecoste. Os 4 mil quilos de méis das floradas de jitirana, vassourinha-de-botão, sabiá, cabeça-branca, em especial, são processados e envasados em sachês entregues para a merenda escolar. “Sobra bem pouco para vender avulso”, diz Aureliano Sampaio Souza, presidente da associação. Ele nem pensou muito quando surgiu a proposta de trabalhar em grupo. Agarrou a oportunidade como chance única. Seu Aureliano explica que antigamente o mel era extraído de qualquer jeito, processado manualmente e vendido em garrafas de plástico. “A gente não sabia manejar a colmeia, não tinha roupa de proteção contra as picadas de abelhas e o produto só podia sair ruim”, confessa. O curso de um ano promovido pela Adel permitiu que eles e outros agricultores fizessem da apicultura sua profissão principal. Por meio dela, eles obtêm uma renda de R$ 144 por mês – eram R$ 50 no passado. Maria Neuliana, filha de Aureliano e secretária da associação, é quem cuida do bom andamento da produção e da empresa. Ainda se incumbe da limpeza da casa de mel que fica no quintal da casa dos pais. “A gente tem de se virar”, brinca. Eles comemoraram o inverno deste ano, que foi farto de água como nunca. Na seca em demasia, as abelhas produzem muito pouco, por conta da escassez de flores. Nessas ocasiões, seu Aureliano conta com um cajueiro que resiste à secura e faz um xarope com rapadura para não faltar alimento para os insetos. A prática é usual dos apicultores em todo o país, variando apenas os ingredientes, que podem ser água e mel ou açúcar. Agora, Wagner quer estimular a produção de mel da jandaíra, abelha nativa frequente na região e que dá origem a um produto valorizado no mercado.
Ele tem planos de expandir a atuação da Adel, pois conhece como poucos as dificuldades dos produtores rurais sertanejos – seus pais também o são. É ainda uma forma de retribuir a oportunidade que o fez dar um salto, ao sair de Apuiarés para estudar na capital. Wagner fez o curso que segue a pedagogia da alternância (uma semana de estudos intercalada com 15 dias em casa) e que já aprovou 450 jovens na Universidade Federal do Ceará (UFC) ao longo de 17 anos. O Projeto de Educação em Células (Prece), cursinho pré-vestibular comunitário que inclui aulas de liderança e benefícios do cooperativismo, nasceu em uma casa de farinha abandonada embaixo de juazeiros e algarobeiras em Cipó, na zona rural de Pentecoste. Ele foi criado pelo químico Manoel de Andrade, em 1994, em parceria com a UFC. Na década de 1980, Manoel precisou sair corrido dali com a família para a capital depois de uma das piores secas na região. Mas, assim como Wagner, ele retornou para transformar seu lugar. Hoje, a escola tem uma construção bonita, com computadores, dormitórios e refeitório para os alunos. Wagner Gomes frequentou o Prece em Pentecoste, quando o cursinho passou a atender alunos que estavam distantes da sede.
Agora, o rebanho de Milton Teixeira (à esq.) e Carlos Duarte (à dir.) conta com silagem de grãos
Desde sempre, ele teve a convicção de que seria economista por mais adversas que pudessem ser as condições. Talvez por isso fugia da lida na lavoura para cuidar da venda do pai. “Já tinha vocação para os negócios”, brinca. Ele poderia ser funcionário de uma grande empresa, mas preferiu implantar modelos de desenvolvimento em lugares que teimam com todo tipo de dificuldade – de acesso, de solo fértil, de chances. Conseguiu dar novo rumo a uma centena de propriedades e influenciar os jovens. Maílson Moreira Bezerra, de 17 anos, aluno do Prece, quer implantar acaprinocultura de leite no sítio do pai. “Aqui, o hábito é só produzir carne”, argumenta. Luiz Paulo Vasconcelos, 23 anos, quer trabalhar com assistência técnica aos agricultores e Elionardo Soares pretende publicar boletins para auxiliar o produtor rural. “Sem informação, não se chega a lugar algum”, comenta. Com o tempo, Wagner Gomes foi semeando seguidores que compartilham o sonho de o Sertão deixar de ser lugar de exclusão para ser terra de oportunidades.
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