terça-feira, 15 de novembro de 2011

Rádio Busão

Basta ligar um pendrive no computador, baixar as canções, conectá-la à caixa de som e pronto. Você já pode ser um DJ do busão (EDIMAR SOARES)

Foi-se o tempo em que o clique-claque da maquinaria e uma ocasional conversa entre passageiros faziam a trilha sonora do transporte coletivo. Entre uma buzina e outra, aparece um mais saidinho que saca do bolso um celular ou uma caixa de som (o famigerado mini-paredão) e se autointitula o DJ do ônibus.

Da novidade tecnológica faz-se, então, a situação. Segunda-feira e o sol já incomoda nas oito da manhã. Ao entrar na lotação o rapaz – um roqueiro ocasional – não recebe bem a trilha proposta pelo rádio do motorista, com o rei Roberto Carlos no volume máximo. Aconchega-se mais ao fundo do veículo só para notar o vizinho desembainhando sua caixa de som e entoando o mais chulo funk carioca. Segue, então, o padrão vigente e saca os fones de ouvido para ser seu próprio DJ, resistindo à tentação de abrir uma disputa nessa tríade musical.

Irapuan Alves, 40, aproveita uma rara oportunidade de lazer num Siqueira/Papicu no meio de um sábado de trabalho para escolher atentamente o que ele (e todos que ainda não ultrapassaram a catraca) vão ouvir. Evangélico, ele opta pela música litúrgica e a banda Diante do Trono entoa seguidas canções. “Nunca tive problema, não. Nunca me pediram para baixar”, garante o profissional de cozinha, que seguia rumo ao terminal do Papicu após um dia de trabalho.

O que Irapuan não nota – ou finge não notar – são os olhares enviesados e os comentários que seguem o seu simples ato de compartilhar o gosto. Adriana Alves, 19, Priscila Gurgel, 20, Priscila Barros, 18, e Ikaro César, 19, não escondiam o incômodo com a música gospel. “Dependendo da música, a gente até ouve. Se não gosta, mete o fone de ouvido”, explica Adriana, impondo no rosto o incômodo da situação. “Nem todo mundo precisa ser obrigado a ouvir o que a gente gosta. Não faria isso, (já) que tenho educação”, pontua Priscila Gurgel.

A defesa padronizada via fone de ouvido contrasta com a ausência de uma batida no ombro e um anúncio civilizado do próprio incômodo. “Quando é o rádio do motorista, sempre tem alguém que reclame; mas passageiro com passageiro, ninguém diz nada”, revela Guilherme de Araújo Filho, 35 anos e cinco como cobrador de ônibus. Segundo ele, o silêncio parte do medo, já que a maior parte dos “DJ’s” ouve seu som com um semblante assustador.

Os terminais também pululam em sons. É ali que um ambulante autorizado liga sua potente caixa de som e curte “de música de videogame a rock japonês”. Ao ouvir a banda de metal Evanescence, ele aponta onde conseguiu a caixinha. Por R$ 37 no próprio terminal e, por mais R$ 22, um pendrive com 2gb de espaço, o que equivale a mais 250 músicas em MP3 de até 8mb. Basta conectar num computador, baixar as canções, conectá-la à caixa de som e pronto. Você já pode ser um DJ do lotação.

O fenômeno não é exclusividade cearense. Em Curitiba (PR), internautas ainda no ano passado criaram a campanha “Não seja o DJ do ônibus”, encabeçada pelo perfil no Twitter @busaocuritiba. Já em Recife (PE), a campanha chegou ao setor de atendimento ao cliente e a ouvidoria e comunicação do Consórcio de Transportes Grande Recife, que, em maio desse ano, espalhou cartazes pela cidade e nos coletivos conscientizando os “DJ’s” pelo uso de fones de ouvido.

André Bloc 
andrebloc@opovo.com.br

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